sábado, 17 de janeiro de 2009

Flocos de neve mágicos, simétricos, únicos e belos

Flocos de neve "infinitas formas de indescritível beleza"

O cenário de neve com que todos fomos brindados nos últimos dias, elevando até cidades costeiras à categoria de belíssimos postais de Inverno, não deixou ninguém indiferente.

(…) Fui ver. A neve caía
do azul cinzento do céu,
branca e leve, branca e fria…
Há quanto tempo a não via!
E que saudades, Deus meu!

Olho-a através da vidraça.
Pôs tudo da cor do linho.
Passa gente e, quando passa,
os passos imprime e traça
na brancura do caminho…

(…) Poema de Augusto Gil (exerto)

Que bonito que foi!

A leveza dos flocos de neve tempera a paisagem gelada. Aos poucos, o manto branco toma conta da paisagem. Os campos deixam de ser verdes, tomados de assalto por uma avassaladora e, contudo calma, onda de alvura cavalgada pelo nevão que cai há horas.
Os flocos de neve que pousam, uns atrás dos outros, levam o espírito para uma quietação singular. Diante da grandeza da neve a cair diante dos olhos consigo abstrair-me de tudo o resto, do mundo encerrado na sua pequenez. A alvura que vai tingindo tudo em redor é detergente para a alma, todos os males subitamente extintos.
O efeito novidade da suave dança dos flocos de neve na sua incessante queda deixa os sentidos numa anestesia de horas. Precipitam-se sobre o solo, na sua leveza. Ao início, o solo ainda molhado é o túmulo onde se derretem os primeiros e ainda tímidos flocos. A persistência da neve haveria de começar a deixar as suas marcas. De mansinho, alguns flocos amontoam-se num pedaço de relva que não resiste à temperatura gélida. O primeiro leito para um pedaço de brancura. Da brancura que, lentamente, vai tornando a paisagem em redor visível na alvura da neve empilhada.
Um extenso manto branco acomodava a paisagem. Já não havia relva desnudada, então agasalhada por um véu esbranquiçado. Os ramos das árvores surgiam, vergados pelo peso da neve neles deitada. E os telhados das casas, numa mutação de tonalidades, perdiam a cor de tijolo pelas telhas apoderadas pela capa de neve que nelas foi repousar.
Só que nem toda a magia do mundo é eterna. A neve começa a derreter de mansinho, depois mais depressa.
A paisagem retoma a sua originalidade, já desprendida do manto de neve que a ornamentou. No contraditório espectáculo do degelo surge uma tristeza, uma insólita mágoa. A mágoa das coisas que partem sem delas se retomar visitação. Aquela neve fundente, a alvura que se derretia na transparente água que lavava as ruas, era sinónimo de uma perda. Ou apenas a metáfora da existência.

A bela simetria dos flocos de neve esconde a física complexa que governa a formação, crescimento e desenvolvimento dos cristais de gelo sob diferentes condições ambientais.

Como se formam os flocos de neve?

Flocos de neve, tão leves, tão silenciosos, tão puramente brancos caiem do céu formando um imenso e belo manto branco que encanta os nossos olhos.

Assim como a chuva ocorre sob a forma de precipitação de gotas de água de maior ou menor dimensão, a neve cai sob a forma de flocos de maior ou menor dimensão que, quando examinadas ao microscópio, apresentam uma estrutura cristalina de várias formas, em que é mais frequente apresentarem-se em forma de estrela com seis pontas.
A neve forma-se quando a temperatura é tão baixa que a água passa ao estado sólido. Os flocos de neve surgem quando as gotas de água, ao caírem, atravessam uma massa de ar que se encontre perto do solo e tenha uma temperatura inferior a zero graus. Tal como a chuva, a neve também pode originar-se a partir dos cristais de gelo que constituem uma nuvem; logo que os cristais de gelo comecem a cair dentro da própria nuvem, chocam com gotas de água e com outros cristais de diferentes tamanhos, unindo-se e formando pequenos núcleos congelados – a este processo dá-se o nome de coalescência.
Quando os cristais têm um diâmetro superior a 0,2 mm, a velocidade de crescimento por coalescência é maior que a passagem directa de moléculas de água a cristais de gelo. Este fenómeno também ocorre no caso da chuva por coalescência, em que as gotas maiores barram a queda das gotas menores durante a sua queda.
No Inverno, quando a temperatura ao nível do solo é inferior à temperatura de fusão, o aglomerado de cristais de gelo chega à superfície terrestre, em forma de neve. Quando a temperatura é superior a 0º C (zero graus Celsius), a neve funde-se e converte-se em chuva.
Às vezes acontece que existe uma camada de ar mais quente acima do solo, apesar deste ter uma temperatura abaixo do ponto de fusão. Por exemplo, a temperatura da superfície terrestre e da camada de ar em contacto com o solo pode ser de 2º C negativos, e a 1200 metros de altitude pode haver uma temperatura de 3º C positivos. Neste caso, quando os flocos de neve atravessaram a camada de ar onde a temperatura seja superior a 0º C, fundem-se e transformam-se em gotas de água; à medida que estas continuam a realizar o seu trajecto em direcção ao solo, ao entrarem novamente numa camada mais fria, congelam-se novamente, parcial ou totalmente, antes de chegarem ao solo.
Mas se a camada de ar frio que se encontra imediatamente sobre o solo não for demasiado espessa ou demasiado fria, quer dizer, o suficiente para que as gotas de água voltem a congelar, então estas chegam à superfície em forma de água demasiado fria. Ao entrar em contacto com os objectos que se encontram sobre a superfície terrestre, que estão a uma temperatura muito mais baixa, a água congela rapidamente e o solo fica coberto de uma camada de gelo, muitas vezes com formas exóticas.

Por que os flocos de neve têm sempre seis lados?

Eles refletem exatamente a estrutura molecular, em forma de cristal, da água no estado sólido. Nesse estado, cada molécula é circundada por outras quatro, no ponto em que o hidrogênio é fixo, e os átomos de oxigênio se arranjam em camadas, formando um hexágono. Depois que o primeiro cristal é constituído, outras moléculas de água se agregam nos cantos da molécula inicial, formando as ramificações do floco. "Mesmo tendo sempre seis lados, os cristais aparecem em várias formas. A mais familiar é em ramos, mas há outras como placas, agulhas e prismas, dependendo da temperatura de formação do cristal na nuvem", diz o glaciologista Jefferson C. Simões, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).



Diagrama da morfologia dos cristais de gelo (para ampliar a imagem, clique aqui. Créditos: http://www.snowcrystals.com/).

"O crescimento dos cristais é um problema complexo de dinâmica molecular. A morfologia macroscópica e o desenvolvimento de um cristal - ou seja, se ele faz facetas ou não, quão rápido ele cresce em condições diferentes e se ele se desenvolve em um único grande cristal ou muitos cristais pequenos - são regidos pela forma precisa como os átomos que o constituem são lançados para o seu lugar à medida que solidificam".


Os cientistas têm vindo a fazer crescer cristais de gelo em laboratório, observando formas de cristal com relação à temperatura e humidade. As principais conclusões são ilustradas no gráfico acima.

"Dois aspectos neste diagrama destacam-se imediatamente. Primeiro, os cristais tornam-se mais complexos à medida que a humidade aumenta: prismas simples surgem quando a humidade é reduzida, enquanto que as formas ramificadas complexas aparecem quando a humidade é elevada. Em segundo lugar, a morfologia global comporta-se de forma peculiar em função da temperatura, através da qual muda da forma tipo-placa para forma de coluna à medida que a temperatura baixa. Este comportamento tem-se revelado particularmente difícil de explicar, mesmo a um nível qualitativo. Na verdade, depois de 75 anos ainda não conseguimos explicar porque é que os cristais de gelo crescem de forma diferente quando a temperatura muda em apenas alguns graus ".

Obviamente, existem processos físicos a trabalhar, que operam em vários níveis, desde a escala nanométrica. Isto permite-nos dizer que a "ordem da desordem" é essencialmente a mesma ordem de qualquer outro caso de cristalização do estado líquido para o estado sólido. É uma ordem que resulta de arrefecimento, quando forças interatomicas se tornam dominantes sobre energias térmicas. Isto não deve ser confundido com a ordem em coisas vivas, uma vez que esta ordem deriva da informação. As coisas vivas são melhor descritas como tendo "Informação Complexa Específica.
Em segundo lugar, temos de nos lembrar que a temperatura e as nuvens de neve não são corpos homogéneos no céu. Existem gradientes de temperatura, gradientes de humidade, flutuações do vento e muitos outros factores. Coloquem-se todos juntos, e torna-se compreensível que cada floco de neve surge com uma história de crescimento de cristal e morfologia únicas. As improbabilidades extremas então são inevitáveis.

"[...] um floco de neve é uma estrutura extremamente improvável, façam-se as contas que se fizerem. Em particular, é extremamente improvável que uma agregação de moléculas de água ao acaso fosse montar um único floco de neve com uma determinada estrutura específica. E no entanto este fenómeno repete-se trilhões de vezes numa típica tempestade neve.

[. . .] Os flocos de neve apenas acontecem - uma massa de moléculas de água homogênea e indiferenciada arrefece e torna-se um mar de belos flocos de neve com estruturas muito específicas e diferenciadas. Poderiamo-nos quase convencer que os flocos de neve constituem uma demonstração de poder sobrenatural".

Agora admirem a indescrítivel beleza dos cristais de neve (fotografados por Kenneth G. Libbrecht com um fotomicroscópio especial).




Para ver mais cristais de neve:

http://www.bbc.co.uk/portuguese/especial/411_flocos_neve/page7.shtml , aqui e aqui. Existem cerca de 2005

"Cada floco é uma aventura fotográfica"

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