sábado, 26 de abril de 2008

«De longe é arte, de perto é lixo»








Imagens dos trabalhos de Chris Jordan expostos a partir de 15 de Abril em Lisboa no Pavilhão do Conhecimento

Para ver mais: http://www.chrisjordan.com/

Exposição «Running the Numbers» ilustra o impacto do consumo na poluição do Planeta
do fotógrafo Chris Jordan.

De longe é arte, de perto é lixo, resume o fotógrafo Chris Jordan. Na exposição "Running the Numbers", inaugurada a 15 de Abril no Pavilhão do Conhecimento e patente até 30 de Abril, em Lisboa, 426 mil telemóveis fora de uso, 1,14 milhões de sacos de papel, 200 mil maços de cigarros, dois milhões de garrafas de plástico por reciclar e outros tantos desperdícios são matéria-prima de uma colecção de imagens que promete ajudar a perceber o que tentam dizer as estatísticas sobre a poluição do planeta.

No âmbito da celebração internacional do Dia da Terra, que se assinala no dia 22 de Abril, o National Geographic Channel e a Agência Ciência Viva trouxeram a Portugal o fotógrafo norte-americano autor de uma série de montagens fotográficas em que se abordam os números do consumismo norte-americano.

O exemplo é crasso. Quando estava a mostrar a tela com dois milhões de garrafas de plástico vazias, que equivale à quantidade utilizada nos EUA a cada 5 minutos, a um amigo num museu de Nova Iorque, o amigo terminou de beber a garrafa de água que tinha na mão e foi pô-la no lixo, conta Chris Jordan. Depois, voltou com uma certa culpa e disse, "Também é só uma, que diferença faz?", lembrou o fotógrafo norte-americano, para dizer que o episódio retrata exactamente o contrário daquilo que é suposto as pessoas pensarem quando olham para cada uma das peças da exposição. Neste caso, sublinhou, "dois milhões de garrafas são dois milhões de vezes uma garrafa, por isso o comportamento de cada um faz a diferença".

A exposição "Running de Numbers" partiu da leitura de livros e artigos nos jornais onde as estatísticas eram apresentadas com uma linguagem fria e crua. Sempre que há um número que o choca ou que o toca, pega nele e tenta arranjar uma forma mais sedutora e, no fundo, capaz de criar mais impacto junto do público.

Durante muitos anos todos os temas ligados ao planeta, ao ambiente e à cultura cívica eram-lhe completamente indiferentes, explicou esta manhã aos jornalistas. Daí perceber o que é estar do lado de quem não se interessa e a quem números como 106 mil latas de alumínio, o equivalente às latas utilizadas nos Estados Unidos a cada 30 segundos, ou 65 mil cigarros, o equivalente à quantidade de adolescentes americanos menores de 18 anos que se tornam viciados em tabaco por mês, não dizem nada.

"Estes números gigantes são difíceis de sentir. A enormidade da informação estatística ultrapassa-nos. Os números tendem a entrar por um ouvido e a sair por outro, sem nos tocarem a um nível emocional", frisou Chris Jordan. "Penso que o que se passa na América e noutras culturas é uma espécie de anestesia, que não tem nada a ver com sermos ou não pessoas com sentimentos mas com o facto de a informação não estar a ser bem transmitida", disse.

Quando acordou para esta realidade, pôs de lado uma carreira como advogado e enveredou pela via do activismo cultural. O seu trabalho como fotógrafo tem merecido a atenção internacional, tendo já sido exibido em mais de cinquenta exposições nos Estados Unidos, Europa, Ásia e América do Sul. "Running de Numbers" é a primeira experiência enquanto exposição individual e começou a tournée no Allen Memorial Art Museum, nos Estados Unidos. Em parceria com o National Geographic Channel viajou pela Ásia, na Tailândia, veio agora a Portugal e vai estar em Itálica, Caracas e Venezuela.

É uma colecção em que aborda sobretudo temas negativos do consumo norte-americano mas é uma série em construção, que pretende terminar com uma peça que vai demorar um ano a ficar concluída, em Abril de 2009. Sem querer adiantar muito, disse o fotógrafo, essa última tela terá um sentido diferente.

"Dedico-me a retratar comportamentos inconscientes. Todos contribuímos para este desperdício de forma inconsciente. O problema é que, ao fazê-lo colectivamente de forma inconsciente criamos um resultado catastrófico, que ninguém quer assumir", salientou Chris Jordan. "O grande desafio dos dias de hoje é como é que mantemos a qualidade de vida a que nos habituámos ao mesmo tempo que nos preocupamos com o planeta, mesmo quando a infra-estrutura do nosso mundo nos obriga a consumir", frisou.

As imagens, faz questão de dizer, não são fotografias no sentido tradicional mas não deixam de ser fotografias. Cada uma teve por base produtos específicos reais, a uma escala mais pequena. Na peça dos 426 mil telemóveis, que representam os telemóveis retirados de circulação diariamente nos Estados Unidos, o fotógrafo foi a uma empresa de reciclagem e pediu para fotografar uma superfície com um metro de quadrado de telemóveis inutilizados. A cada fotografia remexia os aparelhos para conferir o ar aleatório e preparar a montagem final, uma imagem confusa onde os vestígios da tecnologia se vão sobrepondo, "porque ninguém mete o telemóvel ou o ipod a reciclar quando arranja um novo", lembrou.

Há depois duas peças que estão entre as preferidas do autor. Numa baseou-se na obra "Skull of a Skeleton with Burning Cigarette" de Picasso e reconstruiu-a com 200 mil maços de cigarros, o número de americanos que morrem com doenças relacionadas com o fumo de tabaco a cada seis meses. Digitalizou 60 maços de marcas de diferentes, tratou as imagens com diferentes luminosidades para poder dar forma ao esqueleto de Picasso. Noutra aproveitou uma tela do pintor Seurat, em que está retrata uma tarde de lazer no parque, e preencheu-a com 106 mil latas de alumínio, as latas utilizadas nos EUA a cada 30 segundos, que significam também o que mudou nas tardes de lazer hoje em dia.

O trabalho de montagem, explica, é muitas vezes moroso e até aborrecido mas o resultado são "imagens sedutoras que reflectem as tragédias invisíveis que estão a acontecer no nosso planeta". E frisou: "A minha esperança é que, desta forma, consiga tornar as estatísticas, que são uma linguagem crua e fria, em coisas que as pessoas conseguem de facto ver, em que conseguimos perceber o que gastamos".

Ou pelo menos parte do que se consome, por que cada tela diz apenas respeito a uma amostra do consumo de um determinado produto. Como no caso do papel de escritório, explica Chris Jordan para o qual faz uma tela em que representa 30 mil resmas ou 15 milhões de folhas de papel, o equivalente à quantidade gasta nos Estados Unidos a cada 5 minutos. "Além do papel de escritório há todo o restante papel, os livros, as revistas e depois, o que mostro, é o consumo de cinco minutos, gostava que fosse possível ilustrar o consumo de um ano".

Perante estes números, que são os da realidade norte-americana mas que, segundo o fotógrafo, poderão ser espelhados ou motivar reflexões semelhantes noutras culturas, a solução passa por "começar a pensar criativamente" no impacto que tem o consumo individual sobre o colectivo.

"Acho que cada um de nós tem parte da solução no seu próprio comportamento. Se ninguém se importar o resultado são as imagens destes quadros. Quero passar a ideia de aquilo que cada pessoa faz, conta, pode fazer a diferença", frisou Chris Jordan.

Integrada na campanha de comunicação do National Geographic Channel "O que você faz, conta!", a exposição "Running the Numbers" faz parte de um conjunto de iniciativas que visam alertar para uma mudança radical de comportamentos que conduzam a uma vida saudável no planeta terra.

Adaptado de artigo de Marta F. Reis publicado em 15-04-2008
Site: www.cienciahoje.pt/

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