sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Genoma de esponja revela origem dos primeiros animais e do cancro



Esponja da espécie Amphimedon queenslandica (cor cinzenta) da grande barreira de coral na Austrália (Maely Gauthier photo)

Uma equipe de investigadores da Universidade da Califórnia, Bekeley, e do Departamento of Energy’s Joint Genome Institute (JGI) seqüenciou o genoma da esponja do mar Amphimedon queenslandica. O trabalho fornece novos dados sobre as origens quer dos animais quer do cancro.
O genoma das esponjas, seres vivos multicelulares ( constituídos por várias células), aquáticos extremamente rudimentares, foi sequenciado. Esta descoberta assume grande importância pois permitirá aos cientistas compreender quais os genes relacionados com a multicelularidade e até dar resposta a algumas questões sobre o cancro. O facto do genoma da esponja ser "tão especial" prende-se com o facto de as esponjas serem seres vivos pluricelulares muito primitivos.

De entre os 20 000 a 30 000 genes presentes no genoma da esponja, cerca de 4670 famílias de genes (conjuntos de vários genes similares, que desempenham funções bioquímicas semelhantes e resultam da duplicação de um gene original) são comuns a todos os animais, sendo que dessas, 1268, ao não estarem presentes nos seres vivos unicelulares evolutivamente mais próximos das esponjas, estarão muito provavelmente relacionados com a multicelularidade. De facto, algumas das funções desempenhadas por estes genes em questão prendem-se com a capacidade das células enviarem ás suas vizinhas, sinais químicos, para que se dividam, cresçam de um modo coordenado e se diferenciem (especialização celular), o que é essencial para a coordenação e "divisão de tarefas" entre as células de um indivíduo multicelular.

Por outro lado, muitos genes presentes nas esponjas estão envolvidos no aparecimento do cancro. Isto é passível de ser explicado pelo facto dos tumores surgirem devido à divisão descontrolada de células, apenas possível num indivíduo pluricelular. Contudo, as esponjas não apresentam dois genes relacionados com o cancro e que são extremamente importantes no que toca à divisão celular, sendo que ao compreendermos como é que as esponjas "contornam esta situação", poderemos descobrir mais acerca do papel desses dois genes no aparecimento de cancro em seres humanos.
Todos os animais são descendentes de um ancestral comum que existiu há mais de 600 milhões anos. Criaturas do tipo esponja podem ter sido os primeiros organismos com mais do que um tipo de célula e com capacidade de se desenvolverem a partir de um óvulo fertilizado .

“A hipótese é que a multicelularidade e o cancro são as duas faces da mesma moeda”, diz Daniel Rokhsar, responsável pelo trabalho. “Se tu és uma célula de um organismo multicelular, tu tens que cooperar com outras células do corpo, dividindo-te quando é necessário. Os genes que regulam esta cooperação são também aqueles cuja interrupção pode levar as células a agirem de forma “egoísta”, crescendo de forma descontrolada em detrimento do organismo.

Para chegar a estas conclusões, a equipa procurou no genoma da esponja os genes que podem estar relacionados com o cancro humano ( mais de cem), tendo sido encontrados 90 deles. Futuras investigações podem mostrar como estes genes desempenham as suas funções ao dotar as células com o tal “espírito de equipa”.

As esponjas são frequentemente descritas como os “animais” mais simples existentes. Os seres humanos, no lado oposto, são considerados complexos – mas como esta complexidade aparece codificada no genoma é ainda um mistério. O que a pesquisa mostra é que, o genoma da esponja contem a maioria das famílias de genes encontradas no ser humano e que o número de genes de cada grupo mudou significativamente ao longo de milhares de anos.

“Apesar de pensarmos na esponja como uma criatura simples cujo esqueleto por vezes usamos na banheira, ela possui a maior parte das vias de desenvolvimento e bioquímicas associadas com funções complexas que ocorrem nos humanos”, explica Mansi Srivastava, também envolvido no trabalho. Os componentes que faltam podem revelar em investigações futuras como se deu a evolução para organismos maiores e mais complexos.

Entre os componentes em falta, os cientistas destacam a família de enzimas conhecida como CDK 4/6, que em mamíferos é crucial para a transição das fases do ciclo celular. No entanto, ela está presente em anémonas do mar, lançando a questão de que ela poderia ter sido um marco no desenvolvimento de animais mais complexos. Inibidores de CDK 4/6 para o ciclo celular são usados para tratar o cancro da mama.

Os cientistas também identificaram diversos genes que caracterizam outros animais, envolvidos na divisão e crescimento celular, morte programada da célula, adesão entre células, entre outros. No entanto, a esponja não tem intestino, músculos ou neurónios. “Surpreendentemente, o genoma da esponja revela agora que, ao longo da evolução que conduziu ao aparecimento caminho dos animais, os genes para produzir toda uma gama de muitas células especializadas evoluíram e lançaram as bases para a lógica genética de organismos que não funcionariam mais como células individuais”, ressalta Kenneth S. Kosik, co-autor do estudo.
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